domingo, 25 de agosto de 2013

crianças

Hoje eu tropecei e caí na rua e gritei muito de dor. "AAAI AAAI AAAI" até sentir que estava de bom tamanho. Simplesmente não pude evitar. O Rodrigo me afagou e eu fui me acalmando e silenciei. Foi a primeira vez que eu demonstrei em alto e bom som o que eu sentia, e eu acho que tenho aprendido isso com as crianças da escola onde estou trabalhando.

As crianças se machucam muito, o tempo todo, desesperadamente. E elas se comportam sempre mais ou menos do mesmo jeito: o choro (varia de escandaloso a contido), o pedido de colo (nem sempre verbalizado) e a calmaria. Cada criança é um oceano. E depois elas voltam a brincar com mais energia ainda.
Os pequenos adoram dançar. Nas aulas de música, o professor tocava "Chocolate" do Tim Maia e espontaneamente a sala se tornou um grande baile. Semana passada teve uma oficina de dança, e um dos meninos veio me mostrar tudo o que tinha aprendido. Que cena mais linda é uma criança dançando... vinte segundos de apresentação particular daquele menininho gravados para sempre dentro de mim.
As crianças buscam resolver suas questões, muitas vezes, no grito. Ou na agressão. Pequenos seres em estado de natureza! Daí a gente ajuda na resolução dos conflitos estimulando o diálogo: "diz pra ele o que você tá sentindo". Então elas dizem que nunca mais vão perdoar o fulano, "nem amanhã!" e, depois de alguns minutos, já estão lá se abraçando novamente... tudo muito rápido na vida delas...

Gosto de trabalhar com as crianças porque elas me fazem lembrar - para nunca mais esquecer - do ser humano melhor que eu já fui. De como eu já fui mais honesta comigo mesma e com os meus desejos e de como eu já fui menos egoísta e menos cheia de mágoas. Nesses 22 anos de vida aprendi muito, mas acho que desaprendi muito mais...

domingo, 28 de abril de 2013

Eparrei, Iansã


Na madrugada de hoje eu e o Rodrigo fomos assistir a Laranja Mecânica num cinema da Augusta e saímos de lá umas 2h30 da manhã. Já meio perturbada pelo filme, que eu assistira pela primeira vez, passei por uma experiência sem dúvidas trivial, mas extremamente forte. O Rodrigo falou que queria ver escrito o episódio pelo qual passamos, por isso sentei aqui para escrever sobre a travesti que nos abordou na travessa da Augusta com a Paulista e nos pediu um pacote de fraldas. 

Eu não gostei do filme, definitivamente. E não gostei de me lembrar de todos meus amigos e amigas e conhecidos que cultuam aquele personagem principal, o Alex. Na verdade acho que o que incomodou mesmo foi constatar que a sociedade atual produz muitos Alex e um eterno desejo de vingança na população, que no fundo é também meio Alex. Sei lá. Eu pensava na igreja, no Estado, conversava com o Rodrigo sobre essas coisas todas e aí ela apareceu e fez com que tudo se tornasse insignificante. Ah, medíocre classe média assistindo aos seus filmes-cabeça na rua Augusta e pensando que isso é a vida...
Eu não sei o nome dela; ela tem um cabelo enorme cheio de tranças e nos contou uma história um pouco cheia de detalhes demais para ser mentira. Sinceramente falando, e sem medo de ser tachada de boboca, eu sempre acredito nas histórias que me contam na rua. Tem um moço que pede dinheiro pra mim todo dia no ponto de ônibus e conta a mesma história, e eu sempre acredito. Acredito porque é plausível. Ele diz que seu barraco queimou no incêndio que teve na favela ali perto e ele perdeu tudo e seus filhos passam fome. Isso não me parece ficção científica. E de repente ele pode mesmo usar o dinheiro para comprar droga, porque a vida dele é uma droga e isso também não é ficção científica... 
Antes de dizer qualquer coisa, antes do “boa noite”, ela faz questão de repetir diversas vezes: “sou travesti e não sou ladrona”. Daí ela contou brevemente que veio da Bahia para se prostituir em São Paulo, mas não conseguiu. Disse que aqui queriam forçá-la a usar droga, coisa que ela não faria de jeito nenhum. Contou tudo num minuto, com aquela naturalidade triste de quem só conheceu a parte miserável da vida. Então ela explicou que não queria dinheiro e nem comida, mas um pacote de fraldas. “Pros meus irmãos gêmeos”. Comprei lá as fraldas, enquanto ela conversava com o Rodrigo sobre sua família evangélica em São Paulo, que só a deixava entrar em casa se ela trouxesse alguma coisa.
Mas por que a história me deixou triste, se é tão trivial? Talvez precisamente por isso. Antes de entrarmos na farmácia, ela me perguntou: “por que aqui em São Paulo todo mundo foge da gente?”. Eu falei que deve ser por causa do que as pessoas veem na televisão. Foi uma resposta estúpida, né? Eu devia era ter pedido desculpas em nome de toda população paulista. Depois que ela foi embora com as fraldas, continuamos, eu e Rodrigo, a descer a Augusta. E eu observava as pessoas dormindo nos cantos como se fossem pedras enquanto os adolescentes se matavam de beber e dar risada, festejando essa coisa maravilhosa que é a vida – pra quem não é uma pedra. E eu conversava com o Rodrigo sobre essa coisa bizarra que é gente ter medo de gente. As pessoas fugiam daquela travesti como se ela fosse um tigre (e eu usei essa metáfora com ele e depois sonhei com um tigre que falava e era muito sábio...).
Ao se despedir da gente, a travesti disse “Axé!”, ao que eu respondi “Axé!”, e então ela disse que era filha de Iansã, sem que ninguém perguntasse. Sem dúvidas foi uma informação relevante para mim, porque um dia uma amiga sonhou que eu estava flutuando no mar, mas não era eu, era a minha cabeça no corpo de Iansã, e eu achei aquele sonho muito legal J Comprei um livrinho sobre Iansã para saber mais sobre a Orixá e gostei muito do que li, sobre ela ser tão valente e ser a mãe do entardecer.
Axé, minha querida. Me perdoa por não ter perguntado o seu nome. Que Iansã te acompanhe sempre.