sábado, 9 de outubro de 2010

política e religião se discutem, sim, mas não simultaneamente



Eu acredito em Deus. Ainda que não pareça, já que só entro em igreja uma vez por ano, geralmente para missas de sétimo dia. Enfim, acredito, também, que Deus não acredita em política. Não tem por que acreditar. Política é coisa ruim. É subordinar os irmãos, é deixar milhões à margem de tudo para que uma minoria continue ditando as regras. A política tem sido, por excelência, amiga da enganação. Pelo que sei, tudo começou com os sofistas, aqueles malandros. Persuadir para vencer, nenhum compromisso com a verdade. E pegou.

Uma vez exposta minha opinião, me digam se essa verdadeira guerra santa que está sendo travada entre Serra e Dilma neste segundo turno não é uma grande piada de mau gosto! É um tal de "graças a Deus" pra cá, "valores sagrados" pra lá. CANDIDATOS, NOS POUPEM.
Se os dois se preocupassem apenas em vender suas mentiras entusiastas na tevê, já estava de bom tamanho. Se continuassem naquelas de "vote em mim, sua vida vai melhorar", beleza. Promessas estapafúrdias, que nós sabemos impraticáveis, mas audíveis. Agora, colocar Deus e os valores cristãos na jogada é baixaria. Misturar uma questão de saúde pública a tais valores é hipocrisia. Quem vai dizer que Portugal não é mais tradicionalmente católico do que o Brasil? E o país já legalizou o aborto. E outra, se for para misturar, misturemos: quem vai dizer que garantir uma lei que criminaliza a homofobia vai contra os ensinamentos do JC? É certo atirar pedras?
A lei não busca fazer com que todos aceitem as orientações alheias, é apenas uma maneira de fazer com que as pessoas se respeitem. Num mundo ideal, não seria necessária uma lei para isso, mas nós não vivemos num mundo ideal. A igreja, que deveria incentivar o "fazer o bem sem olhar a quem", desempenha muito bem seu papel de aparelho ideológico do estado, alimentando o repúdio ao diferente.
Também é preciso que esteja claro que a descriminalização do aborto não funcionaria como incentivo da prática. Isso é evidente! Seria só um jeito humano de tratar as mulheres pobres que morrem fazendo abortos em clínicas clandestinas. Porque as mulheres ricas também fazem, mas com todos os cuidados que podem pagar... é por isso que a questão é deixada de lado pelo governo.
Que os candidatos desaprovem o aborto, vá lá, eu também não sou favorável. Aliás, ninguém é. Que merda, isso! Ninguém está dizendo "faça aborto, é bacana". Mas a partir do momento em que eu me proponho a ser chefe de Estado, devo estar ciente das minhas responsabilidades para com o povo. E isso não diz respeito às minhas crenças pessoais.

Olha, no primeiro turno eu votei em um cristão de 80 anos e quem diria: foi ele quem apresentou as propostas mais coerentes, ainda que muitas delas batessem de frente com aquilo que determina a sua fé religiosa. Ele soube separar. Em nenhum momento agradeceu a Deus por estar num debate. Coisa que os outros fizeram, e muito. Parabéns e obrigada, Plínio de Arruda Sampaio. Se Deus acreditasse em política, certeza que Ele votava no senhor.

Este segundo turno está caótico. Eu realmente gostaria que nenhum dos dois candidatos fosse presidente da República. Por enquanto, enfim, seguimos metralhando o mais nocivo.

9 comentários:

Elaine disse...

Uau!
Ler seus textos nos deixa sem fôlego. Coisa boa!

Sobre Deus acreditar em política ou não, bem, acho que ele acredita mesmo é na gente. Na "parapolítica" que temos, acho que ninguém mesmo acredita. No fundo acho que precisamos desacreditar de muitas coisas, para ver o que resta na essência, no cru. Começando pelo que convencionamos chamar Deus, homem, sociedade, fé... e política, por que não?

Costumo dizer aos meus colegas que trabalham na rede de ensino estadual que, a partir do momento que não acreditamos mais em política, então devemos ir para o meio do mato e desistir de viver em sociedade. (haha, talvez seja uma boa).

Também não queria nenhum dos infelizes candidatos que nos restaram. E estou com você na metralhadora contra o mais nocivo. =D

Rodrigo Caetano Pinto disse...

viver a política significa sermos egoístas juntos, significa abrirmos mãos da violência para fazermos do mundo um lugar melhor.
excelente postagem, quando penso, por exemplo, nos homossexuais, sou contra, mas sei, também, que eles existem e que minha opinião não mudará os ciclos das chuvas. já que eles existem, o Estado não pode fechar os olhos, negar direitos, apenas tendo como base preceitos religiosos ou relativos à procriação da espécie, a religião é contra, o Estado não pode ser, o Estado deve regulamentar, o fim último deve ser sempre a felicidade.
é hora de darmos a césar o que é de césar e a deus o que é de deus...

Gabri disse...

seus textos são admiráveis :)

victor pompêo disse...

"Sobre Deus acreditar em política ou não, bem, acho que ele acredita mesmo é na gente."

A Elaine anda me deixando sem palavras hoje, então acho que copiá-la resume tudo.

Eu venho tentando evitar escrever sobre política no blog, mas a disputa desevoluiu a tal ponto que daqui a pouco vai se tornar inevitável. Só é triste que, em lugar de termos um segundo turno como oportunidade de um debate de propostas mais profundo e sério, tenhamos um palco de demagogias e uma concorrência não sobre o melhor projeto para o país, mas sobre quem se distancia mais de suas próprias convicções em busca de votos.

(Então, eu moro perto do Internacional. Você é de que parte da cidade? E faço Engenharia da Computação haha apesar de pouco típico... você faz o que na UNIFESP?)

Elaine disse...

Haha.. Sem querer me meter na conversa, acho que eu tinha uma "história única" a respeito da engenharia (seja ela qual for), porque seus textos, seu blog, Victor, me faziam pensar em qualquer outro curso. Obrigada por desmistificar isso pra mim.

Também tenho evitado falar de política. Sei lá, tudo está tão ruim que não sei por onde eu começaria a discussão. Mas você deu um retrato exato do nosso infeliz 2º turno.

E a Ana mandou bem! ;)
Menina engajada.

Rô, você anda lendo Rousseau? "viver a política significa sermos egoístas juntos". Depois vamos falar mais sobre isso...hehe

Beijos e abraços em todos

victor pompêo disse...

Eu queria poder dizer que sua história única sobre a engenharia não é verdadeira hahaha (pra grande maioria das pessoas)

Ana Carolina disse...

Então agora vocês fazem da minha página de comentários um chat!
Sim, também busquei não falar de política por aqui durante as eleições, justamente para não dar um tom panfletário ao blog (às vezes eu sou um pouco panfletária ao defender minhas opiniões, admito). Mas, como bem colocou o Victor, o debate agora é "sobre quem se distancia mais de suas próprias convicções em busca de votos" e ficar calado não dá.

Victor, engenheiro, eu moro ao lado do Internacional, poxa! 15 minutos a pé, ou menos. Que coincidência feliz. Venha tomar um chá comigo. Eu chamo a Elaine e o Rodrigo. Estudo Pedagogia e malabares!

Larissa disse...

Aninha, a partir de 1 minuto e 20 mais ou menos desse video, acho que temos uma posição mais esclarecedora pelo menos a que se diz respeito ao aborto!

http://www.youtube.com/watch?v=wXwqxRqeR24&feature=player_embedded

adoreeei o texto aninhaa! temos que sair da idade média, né? =)

victor pompêo disse...

Hahahaha você deve ser quase minha vizinha, então, já que da minha casa até o shopping dá um pouquinho menos do que isso (na verdade minha contagem de tempo não é muito parâmetro já que eu costumo andar meio rápido por estar quase sempre atrasado...).

Poxa, coincidência felicíssima! Marquemos um dia, sim. A Elaine e o Rodrigo são da UNIFESP, também?