sexta-feira, 19 de março de 2010

para nossa mania pedantesca de classificar

Há um lugar, um pequeno lugar, tão pequeno como uma casinha de vidro na floresta em cima do alfinete, disse a criança. É lá que eu guardei a minha pena da cara de todos.
Esta criança vai deixar de sorrir, disse o Medidor de Crianças.
(...)
Há um lugar, um pequeno lugar tão pequeno como o ovo azul do bicho da seda, disse a criança. É lá que eu guardei o meu amigo.
Esta criança vai deixar de falar, disse o Medidor de Crianças.
(...)
Há um lugar, um pequeno lugar tão pequeno como a pedra de açúcar que a mosca leva para os seus filhinhos partirem e fazerem espelhos, disse a criança. É lá que eu guardei a minha mãe.
Esta criança morreu, disse o Medidor de Crianças.
Há um lugar, um pequeno lugar tão pequeno como a bolha de sumo dentro do gomo da tangerina, disse a criança. É lá que eu me guardei e comi-o e passou para o dentro do dentro do mais pequeno dos buracos do meu coração.
Esta criança acabou, disse o Medidor de Crianças. É preciso fazer outra.

(Maria Velho da Costa, "O lugar comum", Desescrita, 1973)

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